domingo, 25 de outubro de 2009

Rotina

Alguém sempre de bem com a vida. Assim era. Sempre sorridente, prestativa e de bom humor. O que ninguém sabia é que tinha uma única coisa que a tirava do sério. Algo que a transformava em um ser completamente irritado e estressado. Seu trabalho. Seu ganha pão a fazia sentir numa tensão pré-menstrual constante. Uma tensão que durava antes, durante e depois. Qualquer coisa a aborrecia quando tinha que trabalhar. Era o clima da cidade. Era o trânsito que nunca andava. Era o telefone que não parava de tocar. Era o sapato que lhe doía no pé. Era o tenso dia de trabalho. Pensava: “Mas que diabos é isso?”. Não se considerava um ser irritado, ou de fácil irritação. Pensava sempre em ir ao médico, como quem não tivesse nada a fazer. Pensou ser até ser uma boa desculpa para faltar ao trabalho que a estressava, mas logo pensou no trânsito que iria ter que enfrentar. Já se irritou. Pensou em ligar para seu chefe, sabia que ia levar bronca por isso. Irritou-se sem necessidade outra vez. Se ficasse em casa, teria que explicar a situação aos que estivessem por lá. Explicação que ninguém iria compreender. Deixou de lado. Muito trabalho para não ter que ir ao trabalho. Acordou 6h com o despertador gritando. Começou a transformação de humor. Foi resmungando sozinha durante todo o trajeto do ônibus. Amaldiçoou o sol e o estado de negligência do transporte público. E se arrependeu de não ter saído mais cedo e não ter conseguido lugar para sentar. Chegou sem vontade nenhuma e atravessou o portão. O grande portão. Ali acontecia sua oficial mudança de humor (para o mal). Bateu seu ponto e logo foi recebida com um “Tem milhões de coisas para você fazer!”. Respirou fundo e sorriu, mas ao mesmo tempo pensava “E quem te perguntou???”. Sabia que seria mais um típico dia estressante. Telefonemas, demandas, missões, missões e missões intermináveis. O relógio nunca andava, apenas os aborrecimentos, que mudavam de setor a setor. Pensava se demissão seria uma boa idéia. Queria uma vida calma, tranqüila, sem preocupações. Mas como ter uma vida assim, sem o dinheiro que vem do trabalho? Voltou pro seu beco sem saída. Continuou seu relacionamento com seu fax, telefone e computador. Os documentos se acumulavam junto com seu mal humor. Pensava que nunca ia conseguir voltar pra casa. “Droga, ainda tenho que voltar pra casa!”. Trabalhava muito e ganhava pouco. Vivia num ciclo vicioso, que não dava em nada. Sentia-se um robô, comandada por todos, com funções programadas. Não era feliz ali. Vivia para o trabalho que odiava. Trabalhava pensando na hora do almoço, hora em que podia ignorar a todos e sentar sozinha por 30 minutos. “Finalmente minha hora de descanso!”, pensou. Hora essa que não aconteceu. Seu chefe ligou pra que ela resolvesse broncas que nem eram delas. Ficou com fome. Desistiu de comer quando viu que já eram 16h e ainda estava longe de parar pra descansar. O roncar do estômago já era sua trilha sonora, que vinha acompanhado com o falatório de todos que a cercavam. Isso a irritava. É, odiava seu trabalho, odiava todos dali. Odiava o cinismo, a má vontade e a falsidade de todos. 18h. Fim de expediente! Atravessou o portão mais uma vez. Desta vez para o lado de fora. Sua transformação de humor começava a reverter. Mas ainda amaldiçoou o ônibus cheio e as pessoas mal educadas em seu caminho. Finalmente seu destino, em casa. Ali era oficial. O mal humor ficou lá fora. Tomou banho, comeu, assistiu a novela e foi dormir. Sem reclamar nada. Aconchegou-se no travesseiro e colocou o despertador para tocar às 6h. Tinha que trabalhar no dia seguinte.

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